A mulher estúpida
Um homem tinha uma mulher que era como o mar. O mar altera-se a cada sopro de vento, mas não aumenta nem diminui, nem muda de cor, nem de sabor, e também não fica nem mais duro nem mais mole; mas, depois de o vento passar, fica outra vez calmo, sem se ter transformado noutra coisa. E o homem teve de ir viajar.
Quando partiu, confiou à mulher tudo o que tinha - a casa, a oficina, a horta em redor da casa e o dinheiro que ganhara. «Tudo isto é meu, e também te pertence. Tens de tomar conta de tudo.»
Ela caíu-lhe ao pescoço, chorou e disse-lhe: «Como é que eu posso? Eu que sou uma mulher estúpida.» Mas ele olhou para ela e disse: «Se me amas, és capaz.» E despediu-se dela em seguida. E como a mulher ficasse sozinha, temeu por tudo o que fora confiado às suas fracas mãos e ficou apavorada. Por isso confiou no irmão, um homem mau, que a intrujou. Os bens foram assim diminuido a olhos vistos, e quando ela deu por isso ficou desesperada e não quis comer mais nada, para não diminuir ainda mais os seus haveres, e de noite também não dormia, o que fez com que adoecesse.
Para ali jazia no quarto, pelo que não podia olhar pela casa, que decaíu, o que levou o irmão a vender-lhe a horta e a oficina sem lhe dar conhecimento disso. A mulher lá estava deitada nas suas almofadas, não dizia nada e pensava: «Se eu não disser nada, não digo asneiras, e se não comer, não fico com menos coisas.» Aconteceu assim que, um dia, a casa teve de ser vendida em hasta pública. Veio muita gente de toda a parte, porque era uma bela casa. E a mulher estava deitada no seu quarto e ouvia as vozes e o som do martelo e as pessoas a rirem e a dizerem: «Chove pelo telhado, e a parede está a cair.» Sentiu-se então muito fraca e adormeceu.
Quando voltou a acordar, jazia num catre duro num quarto de madeira. Também só havia uma única janelita lá no alto e um vento frio invadia todos os recantos. Uma velha entrou no quarto e decompô-la asperamente, dizendo-lhe que a casa dela tinha sido vendida, mas que as dívidas ainda não estavam todas pagas e que ela vivia da caridade, mais pelo marido do que por ela. Pois este agora já não tinha nada. A mulher, ao ouvir isto, ficou confusa e um pouco desorientada; levantou-se da cama e começou a trabalhar desde esse dia na casa e nos campos. Andava vestida de andrajos, quase não comia e também nada ganhava, pois não exigia nada. Até que um dia ouviu dizer que o marido tinha voltado. Sentiu uma enorme angústia. Voltou logo para casa, escovou o cabelo e procurou uma belusa nova, mas não encontrou nenhuma.
E cruzou os braços sobre o peito murcho, para o dissimular. Saiu por uma pequena porta das traseiras e correu sem saber para onde.
Depois de ter corrido algum tempo, ocorreu-lhe que se tratava do marido, que viviam juntos, e que ela agora ia a fugir dele. Voltou-se logo para trás e correu em sentido inverso, não pensou mais na casa nem na oficina nem na blusa. Avistou o marido de longe e correu para ele, e pendurou-se-lhe ao pescoço.
O homem, porém, estava no meio da rua, e as pessoas riram-se dele atrás das portas. E ele ficou furioso. Mas tinha a mulher ao pescoço, que não afastava a cabeça dele nem desprendia os braços da sua nuca. E sentiu como ela tremia, e pensou que era de medo por ter deitado tudo a perder. Mas vejam só, ela ergueu finalmente o rosto para ele e ele viu então que não era de medo, mas de alegria, e que era de contentamento que ela tremia. Ocorreu-lhe então qualquer lembrança, e foi a vez de ele vacilar; enlaçou-a, sentiu que ela tinha emagrecido, e esmagou-lhe a boca com um beijo.
Bertold Brecht
Um homem tinha uma mulher que era como o mar. O mar altera-se a cada sopro de vento, mas não aumenta nem diminui, nem muda de cor, nem de sabor, e também não fica nem mais duro nem mais mole; mas, depois de o vento passar, fica outra vez calmo, sem se ter transformado noutra coisa. E o homem teve de ir viajar.
Quando partiu, confiou à mulher tudo o que tinha - a casa, a oficina, a horta em redor da casa e o dinheiro que ganhara. «Tudo isto é meu, e também te pertence. Tens de tomar conta de tudo.»
Ela caíu-lhe ao pescoço, chorou e disse-lhe: «Como é que eu posso? Eu que sou uma mulher estúpida.» Mas ele olhou para ela e disse: «Se me amas, és capaz.» E despediu-se dela em seguida. E como a mulher ficasse sozinha, temeu por tudo o que fora confiado às suas fracas mãos e ficou apavorada. Por isso confiou no irmão, um homem mau, que a intrujou. Os bens foram assim diminuido a olhos vistos, e quando ela deu por isso ficou desesperada e não quis comer mais nada, para não diminuir ainda mais os seus haveres, e de noite também não dormia, o que fez com que adoecesse.
Para ali jazia no quarto, pelo que não podia olhar pela casa, que decaíu, o que levou o irmão a vender-lhe a horta e a oficina sem lhe dar conhecimento disso. A mulher lá estava deitada nas suas almofadas, não dizia nada e pensava: «Se eu não disser nada, não digo asneiras, e se não comer, não fico com menos coisas.» Aconteceu assim que, um dia, a casa teve de ser vendida em hasta pública. Veio muita gente de toda a parte, porque era uma bela casa. E a mulher estava deitada no seu quarto e ouvia as vozes e o som do martelo e as pessoas a rirem e a dizerem: «Chove pelo telhado, e a parede está a cair.» Sentiu-se então muito fraca e adormeceu.
Quando voltou a acordar, jazia num catre duro num quarto de madeira. Também só havia uma única janelita lá no alto e um vento frio invadia todos os recantos. Uma velha entrou no quarto e decompô-la asperamente, dizendo-lhe que a casa dela tinha sido vendida, mas que as dívidas ainda não estavam todas pagas e que ela vivia da caridade, mais pelo marido do que por ela. Pois este agora já não tinha nada. A mulher, ao ouvir isto, ficou confusa e um pouco desorientada; levantou-se da cama e começou a trabalhar desde esse dia na casa e nos campos. Andava vestida de andrajos, quase não comia e também nada ganhava, pois não exigia nada. Até que um dia ouviu dizer que o marido tinha voltado. Sentiu uma enorme angústia. Voltou logo para casa, escovou o cabelo e procurou uma belusa nova, mas não encontrou nenhuma.
E cruzou os braços sobre o peito murcho, para o dissimular. Saiu por uma pequena porta das traseiras e correu sem saber para onde.
Depois de ter corrido algum tempo, ocorreu-lhe que se tratava do marido, que viviam juntos, e que ela agora ia a fugir dele. Voltou-se logo para trás e correu em sentido inverso, não pensou mais na casa nem na oficina nem na blusa. Avistou o marido de longe e correu para ele, e pendurou-se-lhe ao pescoço.
O homem, porém, estava no meio da rua, e as pessoas riram-se dele atrás das portas. E ele ficou furioso. Mas tinha a mulher ao pescoço, que não afastava a cabeça dele nem desprendia os braços da sua nuca. E sentiu como ela tremia, e pensou que era de medo por ter deitado tudo a perder. Mas vejam só, ela ergueu finalmente o rosto para ele e ele viu então que não era de medo, mas de alegria, e que era de contentamento que ela tremia. Ocorreu-lhe então qualquer lembrança, e foi a vez de ele vacilar; enlaçou-a, sentiu que ela tinha emagrecido, e esmagou-lhe a boca com um beijo.
Bertold Brecht
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